domingo, 6 de dezembro de 2009

Jaboticabas, aí vou eu...


tempo e as jabuticabas

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que, apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de ‘confrontação' onde ‘tiramos fatos a limpo'. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: ‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa!...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão-somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.

O essencial faz a vida valer a pena.

Texto de Rubem Alves


Reconvexo

Maria Bethânia

Composição: Caetano Veloso

Eu sou a chuva que lança a areia do Saara
Sobre os automóveis de Roma
Eu sou a sereia que dança, a destemida Iara
Água e folha da Amazônia
Eu sou a sombra da voz da matriarca da Roma Negra
Você não me pega, você nem chega a me ver
Meu som te cega, careta, quem é você?
Que não sentiu o suingue de Henri Salvador
Que não seguiu o Olodum balançando o Pelô
E que não riu com a risada de Andy Warhol
Que não, que não, e nem disse que não
Eu sou o preto norte-americano forte com um brinco de
ouro na orelha
Eu sou a flor da primeira música,
A mais velha mais nova espada e seu corte
Eu sou o cheiro dos livros desesperados, sou Gitá gogoya
Seu olho me olha, mas não me pode alcançar
Não tenho escolha, careta, vou descartar
Quem não rezou a novena de Dona Canô
Quem não seguiu o mendigo Joãozinho Beija-Flor
Quem não amou a elegância sutil de Bobô
Quem não é recôncavo e nem pode ser reconvexo.

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